Atravessar a fronteira Brasil-Argentina em meio à pandemia de coronavírus
Esse período de pandemia de coronavírus não está fácil para ninguém. Muita gente já está no isolamento há 2 meses, muita gente perdendo emprego, fechando empresas. Muitas pessoas com parentes doentes, e, pior, muita gente morrendo.
Mas imagina quem tem que se deslocar de um país para outro no meio desse momento surreal?
Foi isso o que aconteceu com Alan Alvetti, publicitário e chef de cozinha, e sua esposa Patrícia Siqueira Alves Alvetti, estudante de medicina, que moram em Buenos Aires há mais de 2 anos. Eles estavam no Brasil e queriam voltar pra casa na Argentina. Aqui, o Alan explica em detalhes a saga dessa viagem. Literalmente, Atravessar Fronteiras!
O RELATO DE ALAN
Sou brasileiro, residente na Argentina há pouco mais de 2 anos. No dia 16 de março de 2020, dei entrada com minha esposa Patrícia no Brasil, para visitar os parentes em Brasília, além de realizar reuniões de trabalho. Dois dias depois foi declarada a pandemia.
Nós tínhamos nossa volta para Buenos Aires marcada para dia 30 de março. No dia 27, foram canceladas as passagens de avião. Começamos a ligar insistentemente para a embaixada argentina no Brasil. A primeira pessoa que me atendeu não ajudava em nada e era muito mal educada. Mas, no decorrer das tentativas, consegui contato com a cônsul argentina em Brasília, Julia Lorenzo.
Esta sim, me passou contato particular e durante todo o trajeto me deu suporte. Eu percebi que os próprios consulados não têm muitas informações ou muitas vezes tem informações desencontradas. A partir daí, me foi passada a única solução possível até então: a única fronteira aberta para passagem livre de argentinos e brasileiros entre os dois países era Uruguaiana/RS. De lá, o governo estava enviando um ônibus diariamente para repatriação de argentinos. No entanto o trajeto não é fácil nem barato.
Saindo de Brasília
04/05 – Voo de Brasília a Porto Alegre, com escala no aeroporto de Guarulhos em São Paulo. Ficamos 8 horas no aeroporto e, devido a pandemia, optamos a pagar uma diária no hotel “Fast Sleep”, que fica dentro das instalações do aeroporto, pelo valor de R$ 250,00 em um quarto com uma cama beliche e banheiros externos, bem pequeno mais tudo muito limpo e organizado. À noite seguimos com voo para cidade de Porto Alegre.
Chegando lá, necessitávamos chegar a cidade de Uruguaiana, a cerca de 700 km de Porto Alegre. Alugamos um carro para devolver no aeroporto de Uruguaiana (que neste período estava desativado). O aluguel saiu por R$ 130,00 + R$ 250, 00 do deslocamento + R$ 200 de combustível.
05/05 – Como saímos a noite, dormimos em um hotel de beira de estrada, havia vários simples, no valor de R$ 100. As 4h da manhã saímos dirigindo para Uruguaiana, estrada de mão única mas com bem pouco movimento, apenas com alguns caminhões.
Os planos mudaram
Chegando perto de Uruguaiana, resolvi avisar a cônsul que estava chegando, e neste momento recebemos a péssima notícia: “Perdón Alan, las cosas cambiaron” (“desculpe Alan, as coisas mudaram”) e fomos avisados que o governo não mais ofereceria transporte para os argentinos, e que, para passar a fronteira obrigatoriamente teria de ter um carro de placa argentina do outro lado da fronteira te esperando.
Seguimos para o consulado argentino de Uruguaiana, onde falamos com o cônsul de lá, que também não tinha muitas informações, e começaram a chegar cada vez mais argentinos ao consulado. As atendentes do consulado argentino em Uruguaiana eram muito simpáticas, no entanto sem muitas soluções também. Deram um dia de alojamento para os residentes. No dia seguinte, todos começaram a acampar no gramado do consulado.
Nós optamos por ir para uma hospedagem por nossa conta, a casa de Lademir, que ficava a 2 quadras do consulado, muito simpático e um ótimo lugar para ficar, muito bem avaliado no Booking.
Barrados na fronteira Brasil-Argentina
Fizemos um cadastro no consulado junto com mais de 50 argentinos e residentes, a fim de ver a possibilidade de um ônibus do governo. Ao mesmo tempo, buscávamos opções pagas: ônibus, vans, taxi. Todas as opções eram muito difíceis, demoradas e bem caras. Encontramos um taxista, Cláudio que topou nos levar até a fronteira. Cláudio é um ser fora de série, sempre preocupado com a gente, nos acompanhando nas soluções que buscávamos.
Na fronteira, conversamos com os militares argentinos de lá, que nos reafirmaram que qualquer argentino e residente poderia passar, desde que houvesse alguém esperando no outro lado. Voltamos ao alojamento, sem nenhuma segurança de retorno por conta do governo.
08/05 – Depois de 3 dias na cidade, já um pouco desesperados e com medo de um fechamento definitivo da fronteira, resolvemos pagar um táxi para atravessar a fronteira. Também não foi fácil pois no lado Argentino só está permitido circular táxis, ônibus, vans com autorização do motorista e do veículo. Teríamos que ir para a fronteira com o carro te esperando no outro lado, já com todos os dados do carro, placa, nome e documento do motorista.
Contratamos a empresa T21 de transporte na Argentina e o translado ficou em cerca de R$ 1000,00. A empresa nos atendeu com segurança a todo o tempo, ficamos cerca de uma hora aguardando a chegada do motorista, depois da confirmação permitiram nossa passagem, limparam nossas mãos com álcool e mediram nossa temperatura. Fizemos nossa identificação e nos deram dois documentos para preencher, inclusive uma declaração jurada de que você obrigatoriamente tem de cumprir 14 dias de quarentena, além de uma declaração falando por que cidades passou e seu estado de saúde. IMPORTANTE, eles não nos dão nenhum documento, esses documentos ficaram com eles. Tirei foto dos documentos depois de carimbados, e isso foi de muita importância no decorrer da viagem.
Atravessando a fronteira encontramos o motorista e seguimos viagem para Buenos Aires. Logo na saída, passamos por um controle argentino, onde tivemos de apresentar nossa permissão, que no caso foi a foto que tiramos, estes controles se repetiram por mais 8 vezes nos próximos 600 km até a Buenos Aires. As estradas argentinas têm muito mais qualidade, o tempo inteiro mão única e bem vazias, todos os comércios fechados, apenas postos de gasolina funcionando.
Depois de 5 dias, a chegada a Buenos Aires
08/05, 16h30 – Por fim, depois de cinco dias de uma travessia surreal, chegamos em casa em Buenos Aires. Aqui as coisas são muito mais rígidas, pessoas que saem sem autorização na quarentena estão sendo presas e carros sendo apreendidos. Talvez por isso, a quantidade de casos de coronavírus e mortes são bem menores proporcionalmente do que no Brasil. Todo este cenário é muito assustador, em ambos os lados, nos resta torcer para que tudo isso passe com o menor dos danos.
Queria agradecer ao Consulado de Uruguaiana, em nome do cônsul Ricardo Di Lelle; a Julia Lorenzo (consul argentina em Brasília); Cláudio Gonzales (taxista de Uruguaiana); Lademir, de quem alugamos a casa; e a empresa T21 de transporte na argentina.
Nossa, Dri! Que perrengue danado! Que bom que deu tudo certo no final! Imagino o coração apertadinho deles! É como a Fernanda falou, tem que viajar bem preparado com seguro e recursos de emergência.
Difícil, né?